Estarrecido com o caos desnudado das prisões maranhenses, a explicitação da barbárie no vídeo da degola produzido pelos prisioneiros de Pedrinhas, tive a sensação de "déjà vu", de que aquela cena já me havia sido contada em algum momento. Me recordei então da cena abaixo descrita nos evangelhos:
Porquanto o mesmo Herodes mandara prender a João, e encerrá-lo maniatado no cárcere, por causa de Herodias...E, entrando logo, apressadamente, pediu ao rei, dizendo: Quero que imediatamente me dês num prato a cabeça de João o Batista...E, enviando logo o rei o executor, mandou que lhe trouxessem ali a cabeça de João. E ele foi, e degolou-o na prisão...
O crime dos evangelhos envolve o pernicioso nepotismo que se estende sobre o Estado, a barbárie do poder público, a violência da degola, prisões insalubres, mulheres insanas, podridões encobertas, vozes caladas. A metáfora imediatamente se impõe!
Não há letreiros abaixo do texto bíblico ou do vídeo divulgado pela Folha advertindo que qualquer semelhança com a realidade seja mera coincidência, não se trata de obra de ficção, não são atores, não estamos em um estúdio ou cidade cenográfica. Estamos na Judeia, estamos em Pedrinhas, Maranhão, do pior IDH do Brasil, da miséria, da (des)educação, da fome, da dor, da violência, da mão pesada do Leviatã que se perpetua no poder.
Nesta metáfora a luxúria dos governantes da terra da "grande mentira" (um dos possíveis significados de Maranhão no português arcaico) é sufragada com as cabeças de presos de facções criminosas, nossos "Joões Batistas" que clamam no deserto das prisões brasileiras que se tornaram câmaras de tortura, universidades do crime, lugares de fáceis e rasas designações e análises mas de complexas e raras soluções.
E nós, "cidadãos de bem", estamos aonde? Não seríamos nós a plateia do banquete de Herodes Sarney, presidente do Brasil, imortal, indestrutível, inexorável? Não estamos nós nos refestelando no banquete da corte, regado a lagosta e camarão devidamentes licitados, do espetáculo do crescimento, do desemprego baixo, da estabilidade econômica, do consumo crescente a vociferar em frente à TV: são bandidos, que se matem? Quem são os criminosos, por ação ou omissão nesta parábola tupiniquim?
Não digas que o povo do Maranhão escolhe mal seus governantes pois os nomes e rostos mudam mas as práticas perniciosas e malévolas se multiplicam pelo país aonde presos são esterco a ser devidamente enviado aos lixões nos quais os depositamos e rebeliões como essas são nada mais do que o xurume destes terrenos baldios aonde lançamos os restos de humanidade que ainda resta nestes seres humanos.
Enquanto permanecermos calados, quantos "Joões Batistas" precisarão ser degolados até que o Messias de fato venha e diga: arrependei-vos pois chegou o Reino de Deus?
Marcos Sabiá