domingo, 18 de abril de 2010

Missão Integral. Redundância!


Poderíamos mudar o mundo. Sem pretensões megalomaníacas, o que começa em Jerusalém tem poder para se estender até os confins da Terra. E assim timidamente iniciamos algumas de nossas missões.

Algumas dessas missões são pobres, podres e nefastas. Missões das cruzadas que mataram gentes e incediaram populações inteiras pretensamente em nome do resgate de Jerusalém, a cidade do grande Rei.

Missões de jesuítas cúmplices do genocídio ibérico praticado sobre estas plagas, das colônias de exploração, do Jesus inerte em suas insígnias ao vislumbrar o violento massacre dos pagãos.

Missões de povos do norte imbuídos de um espírito mais empreendedor do que santo e que sob os auspícios de uma política internacional impositiva e hegemônica, impuseram o cristianismo de consumo sobre populações inteiras de incautos, que inda se prestam a traduzir para seu vernáculo suas obras-primas que ensinam como enriquecer, ser bem sucedido ou até mesmo interpretar a Bíblia sob as óticas da "vitória financeira e batalha espiritual".

Em reação a estas "missões" surgiu o conceito de Missão Integral esposado por sérios e devotados cristãos que, cansados de verem a deturpação do ide, buscaram rediscutir o papel do evangelho e dos cristãos no mundo. Um mundo que ainda grassa na miséria e no desamor. Miséria que não contente com os dias famintos ainda impõe noites de solidão no imenso paradoxo das grandes cidades.

Com a devida vênia, me oponho a este conceito por uma simples razão. Em defesa da fé devo dizer que seria impossível chamar de missão aquilo que não demonstrasse de forma inequívoca o amor do Mestre, sua paz sendo deixada em cada cidade, sua presença como um cheiro suave, como da Rosa de Sarom, a perfumar cada lugar onde houvesse um de seus servos, seus amigos, suas testemunhas. Destarte, ou há uma missão integral, inteira, íntegra, cheia do Espírito Santo e do poder ou simplesmente não há missão.

Há de ser obrigatoriamente a missão imbuída da imensa pretensão de transformar toda a realidade onde se insere sob pena de ser sufragada pelos desejos deste mundo. Há de ser a missão o centro onde gravitam os objetivos de vida do que serve ao Mestre, sendo impossível manter-se sob dois senhorios, o de Mamom e o de Cristo. Sob este prima, não existe teologia da prosperidade, posto não ser teologia, cristianismo de consumo por não ser cristianismo e missão parcial, sob pena de não ser missão.

Aceitar o termo Missão Integral é o mesmo que passarmos a designar o Evangelho de Evangelho Integral para diferenciar de um evangelho parco, mirrado e raquítico ou, no mesmo diapasão, surgir a Igreja Integral, o Cristão Integral até chegarmos ao Pai Integral, Filho Integral, Espírito Santo Integral, em contraposição a visões pobres e parciais de suas inerências.

Reconheço que é preciso dizer de fato o que é missão. Que não basta estar no mundo mas é preciso transformá-lo. Que é impossível pregar o evangelho sem amor, visto que um não vive sem o outro e que amor sem evangelho se reduz em paixão efêmera assim como evangelho sem amor redunda em proselitismo religioso.

Para nós que fomos salvos pela graça, poderia ser dispensável mas é preciso de fato dizer que fé sem obras é morta, e que a tão simples exigência do Rei é "que pratiques a justiça, ames a fidelidade e andes humidelmente com seu Deus" (Mq 6:8).

Esta é a nossa missão. Indelegável, inadiável, imediatamente necessária eis que "a criação geme com dores de parto pela manifestação dos filhos de Deus" (Rm 8:22).

sexta-feira, 2 de abril de 2010

O Carnaval de Salvador




Seus filhos padecem de dor enquanto vestes um sorriso. Quão hipócrita folia quando não se tem o que comemorar, quando nas festas se oferecem frutos da injustiça colhidos nas sendas do destemor à Justiça e ao Direito.

Alço minha voz para desalojar de minh´alma um grito entranhado de dor. Não são sorrisos que vejo ao meu redor mas lágrimas. Os sons que escutam os mais atentos não são dos instrumentos que ecoam em meio à multidão mas da mãe que já não pode suprir com seus seios a fome dos seus, do pai que esbofeteado pela miséria se curva e prostrado assiste ao maior Carnaval do Mundo, alegrias e metáforas das vergonhas de uma terra que teima em ser cruel, apesar de tudo que Deus lhe deu. Este é o Carnaval no Brasil. Este é o Carnaval na Bahia.

Tantos podem dizer: mas esta é a alegria do povo! Daí-lhe ópio, ou melhor, pão e circo. Ao pão denominemos Bolsa-Família, ao circo Carnaval e ao imperador aquele a quem mais lhe convier entre os tantos déspotas e coronéis que desfilam por nossas passarelas.

Outros ainda podem dizer: mas esta (o Carnaval) é a celebração da diversidade de um povo! Não há qualquer diversidade na Bahia. A Bahia é majoritariamente negra (em torno de 80% de sua população) e esta negritude é teratologicamente pobre (51% da população!). Celebremos a diversidade de formas e discursos para ludibriar um povo.

Ao povo baiano, negro e pobre em sua maioria reservam-se os guetos culturais e religiosos, que quando expressivos, são tomados de assalto pela reduzida mas (pre)potente elite, fazendo daqueles tão somente cultores de um passado histórico.

O Carnaval de Salvador é hoje somente mais uma das várias matizes da desigualdade nacional.A elite branca, rica e feliz paga centenas, milhares de Reais por 3 ou 4 dias de festa enquanto o populacho se contenta com o mesmo tanto para sobreviver por meses e meses. Isto é que é folia!

No tocante ao exército de famintos que rasteja seu ventre na passarela da ignomínia nacional, e se alimentam das migalhas que caem da mesa dos senhores da festa, atraem a atenção os chamados “cordeiros”. Homens, aos milhares, seus rostos ossudos revelam a (bela mas cruel) face da Bahia. Esgueiram-se aos montões, como se não tivessem rosto, alma ou coração, São andróides construídos aos montes pelas máquinas da repulsiva e exacerbada ganância, que faz por merecer tal redundância. Estes homens passam horas por dia durante o Carvaval, segurando as cordas que separam a “horda” daqueles que podem se dar ao luxo de desfilar com seus abadás. Dentro das cordas, a tão famigerada elite, do lado de fora aqueles que criaram o Carnaval mas para quem o Carnaval já não é criado.

Estes “cordeiros”, que assemelho aos capatazes, pois são povo contra povo, negro contra negro, recebem R$ 14,00 ao dia! Isto mesmo, um integrante de bloco paga por sua folia o equivalente a algo em torno de 20 (vinte) cordeiros, no mínimo!!! O espelho da desigualdade que teima em colocar frente a frente faces tão iguais, irmãos, que como em tantas de nossas cidades, são incitados a se insurgirem contra os seus e derramarem o sangue que lhes é tão próprio responde mais uma vez aos bruxos da vez: existe alguém mais cruel do que eu? Não, não existe.

Enquanto isso, o guardião dos ideais de um povo e aquele a quem confiamos a única oportunidade de com mão forte mudar esta realidade, o Estado Brasileiro, através da Prefeitura de Salvador, despende R$ 20 milhões na organização do Carnaval, deste tipo de Carnaval que citei logo acima.

Pode-se rechaçar dizendo que isto é um investimento. Concordo. Mais um investimento para que se perpetue a desigualdade, para que se mantenham frouxos os braços de um povo, para que se cale a voz daqueles que sofrem a realidade da dura e tão horrenda miséria. Já que o Carnaval é um grande negócio como se propala, por que não se reflete este sucesso em distribuição de renda e justiça social?

Como não bastassem tantos erros e maldades a envolver o que vemos hoje no Carnaval de Salvador, soma-se a estes a incompetência na gestão da coisa pública.

Ouça bem: os seis dias de Carnaval em Salvador renderam à Prefeitura em cotas de patrocínio 1/3 (R$ 4 mi) do que rendeu o retumbante Festival de Verão (R$ 12 mi), que durou três dias. Você sabe o que é o Festival de Verão? Os números impressionam, ainda mais quando se imagina que vivemos em um país em que se louva o pagamento de um famélico instrumento assistencialista barato (barato mesmo!!!) no valor de R$ 100,00. Com o “prejuízo” do Carnaval, a Prefeitura (que teima em dizer que é de participação popular) poderia custear nada menos que 160.000 Bolsas-Família ou este mesmo benefício a quase 27.000 famílias durante seis meses. É uma vergonha a incompetência pública e notória ao gerir uma marca tão forte e expressiva como o Carnaval de Salvador.

Com tudo o que disse acima não quero roubar a alegria de tantos ou ser estraga prazeres. Pelo contrário, lutar pela Justiça Social e pela dignidade de um povo é, de fato, fazer com que muitos dos filhos desta pátria possam ter a sua alegria, que fora roubada pelo escárnio dos poderosos, trazida de volta. Antes, durante e depois do Carnaval.