terça-feira, 26 de maio de 2009

A falência do sistema político brasileiro. Novas alternativas

A imagem do deputado asseverando como desprezível a opinião pública brasileira impõe-nos algumas necessárias reflexões. Algumas leituras podem ser depreendidas da famigerada frase: “estou me lixando para a opinião pública brasileira”:

1 – O nobre representante dos interesses nacionais está acima das pressões populares e, embasado na altivez de seu mandato, profere esta célebre frase como que a explicitar que antes dos interesses volúveis do povo, está a defender a incólume Justiça, sim, em letras maiúsculas, pois não a instituição e o aparato judicial mas o sentimento mais nobre e puro da humanidade, misto de divino e humano.

2 – O deputado é um picareta de mancheias, um salafrário, um ser desprezível e sem escrúpulo mas com uma sinceridade digna de punição na terra dos hipócritas caras de pau. Me parece ingênuo não interpretar desta forma.

No entanto, como não me permito vencer pelo mal, mas antes vencer o mal com o bem, me arrojo contra o disparate transvestido de Estado Nacional, mais comumente chamado de Brasil.

Ainda que me pareça cada vez mais claro que o justo e o bom sejam utopias, ainda que reais, momentâneas, entendo que nossa luta contra os gigantes moinhos de vento possam ter melhor desiderato se nos centrarmos em um simples dispositivo denominado voto distrital.

A idéia básica do voto distrital é restringir o número de candidatos a um deteminado espaço geográfico e eleitores, como que naquele determinado local houvesse uma pequena eleição majoritária a determinar quem seria o candidato eleito por aquela localidade.

Imaginemos que em uma cidade como São Paulo, ao invés de termos centenas de candidatos a vereadores (diga rápido, em quem você votou na última eleição?), teríamos 55 distritos distribuídos pela cidade, sendo que cada um deles seria composto por algo em torno de 100.000 a 150.000 eleitores. Santo Amaro, por exemplo seria dividido em em torno de 10 distritos.

Os críticos deste sistema o atacam dizendo que este formato cria determinados “currais eleitorais”. Caro amigo que lê estas mal traçadas linhas, você realmente acredita que não temos currais hoje?

Dos grandes males de nosso atual sistema proporcional, elenco alguns dos mais nefastos:

1 - O voto proporcional estimula a eleição de personalidades, celebridades, indivíduos sem noção alguma de seu papel de representante das vontades do povo, somente para abocanhar votos.

2 – Este sistema então chega a eleger candidatos a deputado federal, estadual ou vereador com 100, 200 votos em SP, no rastro destas celebridades. Lembram do “Barata”, eleito no embalo da Havanir Nimitz? Você sabe quem o seu voto de “protesto” no Clodovil elegeu?

3 – Custo de campanha. Enquanto uma eleição para senador na Inglaterra custa em torno de R$ 40.000,00 uma eleição para vereador em São Paulo não sai por menos de R$ 500.000,00. Quem paga por isso? O candidato? Suas doações de campanha? Escusos grupos criminosos/econômicos com escusos interesses criminosos/econômicos?

Quando reflito e ainda percebo que países desenvolvidos como EUA, Inglaterra, Alemanha, Itália, Espanha, Holanda etc já adotam o sistema proporcional, parece-me soar que nós, brasileiros, somos os únicos seres brilhantes de toda terra!!!

Esta apologia do voto distrital é uma singela tentativa de me apegar a algo factível, real, que abandone a crítica vazia e sem sentido e apresente possibilidades de salvação a nossa combalida ética pública.

Calarmos-nos fazem-nos cúmplices das imundícias nacionais.

Gritarmos em meio às praças incomoda.

Apegarmos-nos a propostas reais e concretas de mudança, enche-nos o peito de esperança e afaga o coração daqueles que ainda embalam a pueril quimera de um país mais justo e melhor.

Non ducor. Duco!

domingo, 17 de maio de 2009

Razões de uma multidão perdida

Neste mal encenado espetáculo que se tornou a Igreja evangélica brasileira, nas quais alguns púlpitos mais se parecem com picadeiros de circo, uma pergunta me persegue: o que leva milhões de pessoas às reuniões de “poder”, aos congressos de "fogo”, às campanhas e vigílias de “unção” destes famigerados estelionatários da fé, lobos adornados com as rústicas peles de um cordeiro?

O quê os mantêm deslumbrados com tais líderes cegos mesmo após suas excrescências lhe mancharem a fronte e suas vestes se rasgarem?

Alguns fatores podem explicar o porquê e gostaria de compartilhá-los com você (mesmo que você os conteste ou os ignore).

1. A frouxidão moral do brasileiro médio

Mas em Teu nome curamos enfermos e expulsamos demônios...
Afastai-vos de mim pois não vos conheço!

Sérgio Buarque de Holanda em Raízes do Brasil divaga sobre este aspecto de nossa personalidade nacional nos termos do homem cordial. Ele chega a dizer que “a uma religiosidade de superfície, menos atenta ao sentido íntimo das cerimônias que ao colorido e à pompa exterior, quase carnal em seu apego ao concreto e em sua rancorosa incompreensão de toda verdadeira espiritualidade; transigente, por isso mesmo que pronta a acordos, ninguém pediria, certamente, que se elevasse a produzir qualquer moral social poderosa.” (grifo meu)

Este aspecto produz nossos ”rouba mas faz” e conseqüentemente o “evangelho do rouba mas faz”, o evangelho da moral frouxa em que líderes pecaminosos (ainda que haja uma rigidez moral em relação a desvios sexuais como adultérios) permanecem amados e respeitados no seio das igrejas.

Ele desvia dinheiro da igreja? Duvido! Deus faz milagres através dele...Ele tem carros importados na garagem às custas das nossas ofertas? Digno é o obreiro do seu salário...É o dom da prosperidade sobre ele pois nós somos cabeça e não cauda (ainda que quem esteja proferindo palavras como essa ainda ande a pé...).

2. A tendência natural de todo ser humano ao caminho mais fácil

O caminho largo conduz à perdição. O caminho estreito é o que conduz à salvação.

Em qualquer nação, era ou civilização, demonstrado está que o espírito do homem o conduz ao conforto próprio. Parece-me expressar uma tendência natural de auto-sobrevivência que nos impele àquilo que parece mais simples e que exija menos esforço. Nos últimos dias comecei a refletir sobre este aspecto de nossa natureza dentro da igreja, ao vislumbrar um caso que me parece muito sintomático e que tem assolado à Igreja brasileira (neste caso, até internacional).

Um senhor ao final da reunião procurou pelo pastor para relatar de sua dor e sofrimento em relação à doença de sua filha (crônica e humanamente incurável). Para nós pastores e líderes faz-se muito mais confortável fazer a oração da fé, determinar a cura, dizer ao pai que tome posse da benção e despedi-lo em paz. Ele precisa disso talvez mas ele precisa de muito mais. Nosso verdadeiro evangelho implica tomar sobre nós uma carga um pouco maior, uma cruz; implica caminhar ao lado daquele pai, chorar com ele, suportá-lo em sua dor, derramar azeite sobre suas feridas, bálsamo sobre seu corpo já inerte pela dor da filha. Viver um evangelho maniqueísta neste sentido (de um Deus neo-pentecostal que sempre cura ou de um Deus tradicional que nunca cura) é muito mais confortável e muito mais fácil. Relacionar-se com um Deus que não tem respostas imediatamente conclusivas neste caso é muito mais uma questão de fé e não somente da razão. Isto é cristianismo, o cristianismo do copo de água ao sedento, da oração na casa da viúva, do copo de vinho para Timóteo, da visita ao Paulo encarcerado e à beira da condenação, do choro ao lado de Jó.

3. A falta de Educação formal

Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará.

Uma pesquisa realizada pela ONG Ação Educativa, em parceria com o Instituto Paulo Montenegro (ligado ao Ibope) indicou que apenas 25% dos brasileiros com mais de 15 anos têm pleno domínio das habilidades de leitura e de escrita. Isso quer dizer que 1 em cada 4 brasileiros consegue compreender totalmente as informações contidas em um texto e relacioná-las com outros dados.Segundo o levantamento, 38% dos brasileiros podem ser considerados analfabetos funcionais. Quando o estrato estudado é aquele em que as pessoas tinham apenas três anos de estudo, o percentual de analfabetos funcionais chega a 83%. Mesmo entre as pessoas com quatro a sete anos de estudo, pouco mais da metade atinge os níveis básico e pleno de habilidade de leitura e de escrita. Os demais também podem ser considerados analfabetos funcionais. (Fonte: Folha de S. Paulo).

Um povo cego que sempre se verá guiado por outros cegos. Neste dantesco inferno deixamo-nos guiar por quaisquer que sejam os Virgílios. Prosperam em nossa terra líderes que não consegue interpretar a verdade explícita das Escrituras (ou não querem), que lêem textos sem acentos encontrando assim mensagens divinas guiando um povo que ouve o que quer e não o que precisa.

Dói-me perceber que em alguns casos a falta de uma educação formal, básica, que nos afastaria das condições de analfabetos funcionais. O impacto desta tragédia social em nossas igrejas se reflete em heresias, desvios de conduta, extorsões, crimes contra a palavra e contra os homens, acobertados por leituras deturpadas da palavra que conduzem milhões ao abismo. Antes que este artigo seja taxado de elitista, ressalto que o resgate da cidadania dentro das igrejas em grande parte também é responsabilidade das...

4. Elites cristãs subdesenvolvedoras
Ele te declarou, ó homem, o que é bom e que é o que o SENHOR pede de ti: que pratiques a justiça, e ames a misericórdia, e andes humildemente com o teu Deus.

As elites evangélicas brasileiras em sua grande maioria se ausentaram de seu papel enquanto sal da terra e luz do mundo e sua omissão tem custado caro. Enquanto ficamos discutindo se arminianistas ou calvinistas estão certos, se pentecostais ou tradicionais (debate que não faz sentido para a multidão descrita logo acima) o espaço já foi preenchido por outras palavras, outras mensagens, outros líderes.

Nosso evangelho resumido às nossas reuniões, às nossas palavras, à nossa fé, deveria estar somando-se ao evangelho das obras, ao evangelho da ação, ao evangelho maltrapilho feito para os pobres, os doentes, os já excluídos pelo Estado que, se não foram acobertados pelo tráfico, pela criminalidade ou pela prostituição o serão por estes líderes evangélicos. Neste diapasão nosso discurso perde a força que deveria ter pois este “evangelho” da heresia, da frouxidão moral, da falta de educação está literalmente salvando vidas, ainda que por interesses escusos enquanto o nosso...bem, o nosso...

Que Deus tenha misericórdia de nós.

Marcos Paulo Sabiá

Imerso nas lembranças - Discurso de uma formatura que não aconteceu

Imerso nas lembranças de minh'alma
pude vislumbrar o mistério contido em todos estes anos.
Quão espinhosa a coroa, quão longa a jornada a ser trilhada
por estes meus pés ainda infantis.

Jornada fatigante, senti-me um errante,
perdido em meio às trevas de minha própria noite.
Instado continuamente a ser um herói,
dão-me a espada da lei em minhas mãos e me fazem um guerreiro
mas eia! Ainda sou um infante!
E tal qual busco saciar minha fome e sede nos seios da mãe Justiça,
aplacar minha ira e indignação no colo da verdade.

Pude perceber, caro amigo a quem derramo minh'alma,
que construímos nossas vidas como um castelo,
erguido sobre quatro pilares: Deus, pais, mestres, amigos.

Mestre, doaste a ti mesmo.
Fizeste-me menos de mim para que recebesse um pouco de ti.
Foste meu guia, meu aio.
Como Simão, o cireneu, a carregar a cruz de Cristo pela via dolorosa,
como Virgílio a guiar Dante em sua jornada,
como minha mãe a segurar minha pequenina mão em meus primeiros passos.

Mestre, eterna será tua lembrança,
pois por tuas obras valerosas te vás da lei da morte libertando.
Extrapolaste aos limites das Ciências Jurídicas levando-me às veredas da Justiça,
mostrando-me quão resplandecente é a manhã daqueles que observam a verdade.
Que meu terno abraço seja a lembrança a impregnar tua memória.

Lancei os olhos sobre meus pais.
Notei que seu amor é a ciência maisprofunda que ao homem não foi dado decifrar.
Minha mãe, geraste-me em dores, concebeste-me com um sorriso,
entregaste tua vida como libação por amor de alguém ainda não conhecido
mas por quem tinhas um amor entranhável.

Embalaste-me em teus braços, deste-me teu colo, sorví de teu leite.
Foste assim minha vida, minha verdade, minha justiça.
És meu primeiro amor porém não serás o último, posto que serás eterno.
Que possa ainda amar-te um dia como mereces, ainda que em terna e saudosa lembrança.

Meu pai, meu herói. Conserva-me em teus sonhos.
Tua doce companhia e lívido sorriso me fazem navegar em águas tranquilas.
Possa eu guardar tuas palavras em meu coração, arquivo inescrutável, indelével.

Sim, amigo, Deus é Pai. Deus é Mãe.

Amigo, tu és para mim demais precioso pois fazes parte desta minha vida.
Hoje corre em minha veia o mesmo sangue,
pulsam em meu coração os mesmos desejos, os mesmos anseios.

Dividimos o pão da alegria, o fel da tristeza e comemos juntos à mesa da comunhão.
Sentamos lado a lado ainda garotos.
Após nossa caminhada juntos, largamos os brinquedos para empunharmos espadas.
Tornamo-nos guerreiros!

Mas amigo, hoje o sentimento que se derrama sobre mim é o medo.
Medo da separação, medo da distância, medo da solidão.
As noites serão mais breves, os copos mais vazios, os sorrisos menos largos.
Forjados juntos na fornalha da vida, hoje o tempo, cruel amigo, nos despede.

Se hás de me deixar amigo, deixa-me logo, pois quiçá,
conviver com tua falta me seja melhor que esperar por ela.
Mas leva-me contigo em memória, na lembrança de dias que não voltam mais.

Prostrado, pude então contemplar que o quarto pilar não sustenta somente minha vida
mas todo o mundo.

Com tuas mãos, oh Deus, sustentas todo o Universo,
demonstrando porém Tua grandeza ao aceitar como morada
o coração de um pobre homem como eu.

Nosso coração vive inquieto a Te buscar, dando-te as mais variadas
formas e nomes, nessa busca desenfreada por Ti.
Percebemos então, quando aquietado nosso coração por Tua paz,
que Tu és amor, e se não vemos Tua face, contemplamos-te no sorriso de nossos pais,
no carinho de nossas mães, no olhar de nossos mestres, no abraço de nossos amigos.

Porém não consigo chorar ao olhar o horizonte.
Ainda sem erguer a fronte, vejo o solo sobre o qual erguemos nossos castelos.
Esta Pátria Amada, Idolatrada, regada com nosso sangue, suor e lágrimas.

Somos o estopim da revolução gloriosa de amanhã.
Revolução sem dores ou desgraças. Revolução que há de tirar os filhos desta pátria de um exílio interminável em sua própria terra, que há de devolver aos braços da mãe gentil os filhos deste solo, que há de calar, não com a força virulenta das baionetas mas
com a veemência da Justiça, os clamores deste povo.

Em meio à violência que campeia e se transveste em sorrateiros atos de ilegalidade,
seremos os arautos da justiça, a proclamar de coração aberto e aplenos pulmões
a força do Direito que sobrepuja o direito da força.

Seremos os heróis desta Revolução pois guardamos em nós a lei primeira,
da Justiça que não cala ante a devassidão de governos,
que não consente com o Estado gerador de miséria e desilusão
tampouco com homens amantes de si mesmos, que engordam
com a glutonaria de sua ganância perniciosa.

Temos sim um comprometimento entranhável com os estandartes
da liberdade, daigualdade e da fraternidade, que hão de nortear a Lei,
enquanto luz para os povos.

Levantemo-nos então e ergamos o castelo de nossas vidas.
Um marco na história e uma morada para as gerações futuras.

Marcos Paulo Sabiá

As oliveiras do Monte


Descortinou-se o palco desta vida para que encenasses teus últimos atos
Perpassaste pela vida, no entanto, sem adornos que obnubilassem teu verdadeiro ser
Eras homem e era Deus. Atraía-me por tua divindade latente em teus atos e palavras
Constrangendo-me a adorar-te. Compungindo-me o peito para que rebentasse em palavras de louvor.

Me deste o carinho de um pai, o amor de uma mãe, o ombro de um amigo.
Foste assim a imaculada e sublime encarnação de Deus
Derretendo meu coração petrificado pelas desilusões
Ferido pelas mazelas de minha vida.

Aquela noite no entanto tornara-se mais tenebrosa então
Teu semblante já não transmitia o mesmo vigor
Pois agora deformado pelo sofrimento da solidão
Solidão esta tão cruel que lhe impingira esta jornada

Sofreste pela ausência da mãe em tuas primeiras noites ao relento
Saudades do conforto do lar, da companhia dos irmãos,
mas nada comparável à ausência do Pai que o acompanhara desde a eternidade
Acrescentando a tua vida a palavra abandono.

A iminência da cruz em que te verias sozinho, cruelmente abandonado
Teve assim o condão de esvair de teus olhos todo brilho,
De teu semblante a alegria perene,
De teu coração a esperança

Pediste-me que deixasse-te a sós com teu pai
A um tiro de pedra a observar tuas palavras de sofrimento
Teus clamores, teu pedido por clemência
Quiçá extrair do Pai um ato de misericórdia

No entanto pude observar a tristeza a consumir-te
O esgotamento após tuas petições serem rechaçadas
Tiveste assim a real percepção do desespero humano ao pedir e não ser atendido
Ao ser constragido em seus desejos pela vontade divinal

E pude assim então notar a magnificência de tua glória
O momento sublime de teu evangelho
A junção do homem em Deus
O gélido suor de teu corpo mortal misturado ao ardor de teu sangue divino.

Quando então percebí que terminaste tuas preces
E que em teu desiderato conheceste o fracasso
Voltei a deitar e, fingí dormir
Para que como em um sonho tudo um dia terminasse
E ao acordar pudesse vislumbrar o meu Deus, o meu amado,
voltando em meio às Oliveiras do Monte.

Marcos Paulo Sabiá

Narcocristianismo

Diz-se dos narcóticos: “substância que produz hipnose, certo grau de relaxamento muscular e narcose, que vem a ser a depressão reversível e inespecífica do sistema nervoso central produzido por drogas”.

Qual a relação das drogas com o Cristianismo, ou melhor, com o tipo de Cristianismo mais comum e rasteiro que ouvimos em nossos dias?

Pense em algo que se busque para o consolo das dores da alma, afago das tristes sensações de fracasso, que afaste, mesmo que só por alguns instantes, da realidade dura e cruel e leve, através do entorpecimento, a um mundo de delícias, quimeras de uma outra realidade. Se pensar em drogas, você está certo. Se pensar neste tipo de evangelho que se prega hoje em dia em muitos lugares, infelizmente, você também está certo!

Não por acaso, o pensador chega ao ponto de chamar a religião de “ópio do povo” e, ao vislumbrar algumas de nossas reuniões neo-pentecostais, recheadas de manifestações místicas, pseudo-sobrenaturais e extra-sensoriais, eventos de “poder”, congressos de “fogo”, reuniões que oferecem todo tipo de sortilégio religioso e prometem abalar o país, percebo uma multidão de almas que está à busca de nada mais do que uma experiência, uma sensação, efeito muito apropriado a um narcótico, muito diferente de um relacionamento com Deus, genuíno Cristianismo. Disso, pseudo-evangelho, parca e pobre expressão neo-pentecostal, aproveito-me para designar de “narcocristianismo” ou “narcoevangelho”, ou seja, religião com a promíscua finalidade de oferecer uma experiência, necessariamente efêmera, que possa retirar o homem de sua realidade e transportá-lo por alguns instantes para outra realidade através de um torpor, próprio de um estado de transe, hipnose ou coisa que o valha.

É próprio deste “narcocristianismo” experiências rasas, superficiais, mas que se propõe inesquecíveis, marcantes, mas que cedem ao primeiro choque de realidade, que faz com momentos depois do ápice de sua “utilização” precisem ser renovadas, dia após dia, pois trazem nada mais que um gozo fugaz. Seu resultado é um gosto residual amargo, que torna seu “usuário” dependente de novas experiências, cada vez mais fortes, inesquecíveis. O dente de ouro já não fascina? Rolaremos no chão! Já ouviu alguém rugir como leão no altar? Se alguém não fez isso na sua igreja ainda, você está por fora e é um tremendo careta...

Sob a perspectiva do verdadeiro Cristianismo, que privilegia o relacionamento e não a experiência, antes o “eu Te conhecia de ouvir falar mas agora meus olhos Te vêem...”, nada mais cruel do que formarmos um exército de crentes nas filas dos “templos drive-thru”, alimentando-se não do pão da vida mas com sofreguidão de um odioso e repugnante fast-food espiritual que incha mas não sacia a fome espiritual de um povo evangélico sem Deus, por mais paradoxal que isso possa parecer.

Este é o retrato das Igrejas S/A, que com foco em seu cliente e em busca de market-share, se utilizam de ousadas estratégias de marketing que fidelizam o cliente mas não o convertem, que arrebatam sua alma mas não salvam seu espírito, que massageam seu ego mas não lhe opõe a santidade de Deus.

Este é um evangelho sem dores, um evangelho sem cruz, aquinhoado em palácios e longe de estrebarias, sem poder, sem graça (em todos os sentidos), pintando um possível mundo sem aflições, que depois da overdose o que resta é um ser sem a alegria da salvação, sem a paz que excede todo entendimento e que percebe que para suprir este vazio terá de sair em busca de uma nova dose de “narcocristianismo” à venda na esquina mais próxima.

Este não é o grito de um reacionário tradicional mas de um apaixonado pentecostal. No poder do Espírito trago esta palavra para que ela seja a voz de Deus, ouvida em meio ao ensurdecedor barulho da “rave” da qual participam tantos e tantos, reunião após reunião, crendo ou sendo levados a crer, que ela não passa de mais uma reunião de poder.

Que Deus tenha misericórdia de nós, fiéis que engrossam as fileiras de igrejas que mais se assemelham a casas de recuperação espiritual, lugares em que pregamos para quem já se batizou, nos quais trazemos a palavra para quem já tem algumas Bíblias de estudo. Lugares aonde nos reunimos para ser família e não corporação.


Marcos Paulo Sabiá

Que é a verdade? Quid veritas est?


Talvez esta questão não tenha ecoado em teu ser com todo o poder e reverberância possível mas pare e reflita comigo sobre esta questão: o que é a verdade?

Esta pergunta de Pilatos, emanada da alma de toda humanidade, encerra séculos de caminhada do homem sobre a Terra.

Se fores questionado quanto à verdade, terás a mão a realidade para conceituá-la e assim como Vico dizer "verum ipsum factum", amoldando-se ao pensamento mais comum de que a verdade é aquilo que está conforme a realidade. Mas será esta a verdade?

A realidade é nada mais que o substrato de fatos, valores e informações que compõem o mundo inteligível. Ressalte-se que esta realidade é fruto de fatos temporais, valorados por um grupo que dispõe de dadas informações, daí que chego à conclusão de que não pode a verdade resumir-se a isto somente.

Primeiro porque os fatos, localizados que estão no tempo podem sofrer a atuação deste. O fato de não conseguirmos ir à Lua durante milhares de anos deixou de ser verdade há menos de meio século. Portanto, restringir a verdade a fatos empobrece-a, limita-a, reveste-a de um relativismo impróprio à verdade suprema e imutável que buscamos.

A verdade também não pode restringir-se a coisas, considerando-se que a verdade não pode ser materializada. Materializá-la significa restringi-la ao espaço. Feito isto, fazemo-la relativa pois a partir do momento que a verdade restringe-se à matéria deve necessariamente ocupar um dado espaço em dado tempo e, sendo assim, relativiza-se.

A verdade não pode tampouco construir-se sobre valores, sob pena de erigirmos dogmas, axiomas que em nada contribuem na busca da verdade. Os valores são construções lógicas de um dado grupo humano de acordo com suas crenças, circunstâncias as quais este grupo assume e as faz suas, variáveis assim de acordo com cada grupo e assim mutáveis no tempo e no espaço, de acordo com aquelas variáveis. Construir a verdade sobre valores significa erigi-la sobre um edifício erguido pelas mãos dos homens e, portanto, passível de destruição.

Por fim, a verdade não pode erigir-se sobre as informações reunidas em dado momento, considerando-se que estas possam ser reais ou não, sempre incompletas, a levar-se em consideração que o desenvolvimento do conhecimento há de demonstrar que em todo grupo de informações a parcela de ignorância anterior demonstrar-se-á cada vez maior. As informações das quais dispomos hoje a respeito do descobrimento do Brasil fazem com que muito do que acreditávamos verdadeiro se demonstrasse hoje em mentiras e falácias.

Assim sendo, este raciocínio me leva a crer que a verdade suprema deva ser: eterna (não restrita ao tempo), imaterial (não restrita ao espaço), absoluta (imarscescível e incontestável) e plena (completa e acabada).

Daí que a verdade suprema, eterna, imaterial, absoluta e plena somente pode encontrar guarida na excelência do Deus Eterno que se fez carne e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade. No momento em que Jesus Cristo reinvidicou a si mesmo toda a verdade ao dizer ser ele mesmo a verdade revelou-nos o segredo de toda existência, descortinou-nos a única possibilidade de revelar-nos a verdade. Para ser completa, ela teria de estar em Deus, desde a eternidade, revelada em Cristo.

É Ele a totalidade indivisível de Hegel, a fonte de todas as verdades de Agostinho, a verdade dos fatos de Vico, a resposta à questão de Pilatos (Quid veritas est?). Eis a verdade encarnada, exaltada em glória, santa, pura e imaculada. Eis a verdade que não cessa e que em si encerra todo o poder e autoridade nos céus e na terra. É Ele, e somente Ele poderia ser, a verdade, nada mais que a verdade. Esta espada afiada que sai de sua boca, ainda que por vezes envolta nas névoas da dúvida e do mal, há sempre de rasgar os céus fazendo divisão entre alma e espírito, juntas e medulas, e por fim, vencer todo o engano quando vier ela, a verdade, sobre as nuvens com poder e grande glória no momento em que todo o joelho se dobrará e toda língua confessará que Jesus Cristo, a verdade, é o Senhor.


Marcos Paulo Sabiá