domingo, 17 de maio de 2009

Imerso nas lembranças - Discurso de uma formatura que não aconteceu

Imerso nas lembranças de minh'alma
pude vislumbrar o mistério contido em todos estes anos.
Quão espinhosa a coroa, quão longa a jornada a ser trilhada
por estes meus pés ainda infantis.

Jornada fatigante, senti-me um errante,
perdido em meio às trevas de minha própria noite.
Instado continuamente a ser um herói,
dão-me a espada da lei em minhas mãos e me fazem um guerreiro
mas eia! Ainda sou um infante!
E tal qual busco saciar minha fome e sede nos seios da mãe Justiça,
aplacar minha ira e indignação no colo da verdade.

Pude perceber, caro amigo a quem derramo minh'alma,
que construímos nossas vidas como um castelo,
erguido sobre quatro pilares: Deus, pais, mestres, amigos.

Mestre, doaste a ti mesmo.
Fizeste-me menos de mim para que recebesse um pouco de ti.
Foste meu guia, meu aio.
Como Simão, o cireneu, a carregar a cruz de Cristo pela via dolorosa,
como Virgílio a guiar Dante em sua jornada,
como minha mãe a segurar minha pequenina mão em meus primeiros passos.

Mestre, eterna será tua lembrança,
pois por tuas obras valerosas te vás da lei da morte libertando.
Extrapolaste aos limites das Ciências Jurídicas levando-me às veredas da Justiça,
mostrando-me quão resplandecente é a manhã daqueles que observam a verdade.
Que meu terno abraço seja a lembrança a impregnar tua memória.

Lancei os olhos sobre meus pais.
Notei que seu amor é a ciência maisprofunda que ao homem não foi dado decifrar.
Minha mãe, geraste-me em dores, concebeste-me com um sorriso,
entregaste tua vida como libação por amor de alguém ainda não conhecido
mas por quem tinhas um amor entranhável.

Embalaste-me em teus braços, deste-me teu colo, sorví de teu leite.
Foste assim minha vida, minha verdade, minha justiça.
És meu primeiro amor porém não serás o último, posto que serás eterno.
Que possa ainda amar-te um dia como mereces, ainda que em terna e saudosa lembrança.

Meu pai, meu herói. Conserva-me em teus sonhos.
Tua doce companhia e lívido sorriso me fazem navegar em águas tranquilas.
Possa eu guardar tuas palavras em meu coração, arquivo inescrutável, indelével.

Sim, amigo, Deus é Pai. Deus é Mãe.

Amigo, tu és para mim demais precioso pois fazes parte desta minha vida.
Hoje corre em minha veia o mesmo sangue,
pulsam em meu coração os mesmos desejos, os mesmos anseios.

Dividimos o pão da alegria, o fel da tristeza e comemos juntos à mesa da comunhão.
Sentamos lado a lado ainda garotos.
Após nossa caminhada juntos, largamos os brinquedos para empunharmos espadas.
Tornamo-nos guerreiros!

Mas amigo, hoje o sentimento que se derrama sobre mim é o medo.
Medo da separação, medo da distância, medo da solidão.
As noites serão mais breves, os copos mais vazios, os sorrisos menos largos.
Forjados juntos na fornalha da vida, hoje o tempo, cruel amigo, nos despede.

Se hás de me deixar amigo, deixa-me logo, pois quiçá,
conviver com tua falta me seja melhor que esperar por ela.
Mas leva-me contigo em memória, na lembrança de dias que não voltam mais.

Prostrado, pude então contemplar que o quarto pilar não sustenta somente minha vida
mas todo o mundo.

Com tuas mãos, oh Deus, sustentas todo o Universo,
demonstrando porém Tua grandeza ao aceitar como morada
o coração de um pobre homem como eu.

Nosso coração vive inquieto a Te buscar, dando-te as mais variadas
formas e nomes, nessa busca desenfreada por Ti.
Percebemos então, quando aquietado nosso coração por Tua paz,
que Tu és amor, e se não vemos Tua face, contemplamos-te no sorriso de nossos pais,
no carinho de nossas mães, no olhar de nossos mestres, no abraço de nossos amigos.

Porém não consigo chorar ao olhar o horizonte.
Ainda sem erguer a fronte, vejo o solo sobre o qual erguemos nossos castelos.
Esta Pátria Amada, Idolatrada, regada com nosso sangue, suor e lágrimas.

Somos o estopim da revolução gloriosa de amanhã.
Revolução sem dores ou desgraças. Revolução que há de tirar os filhos desta pátria de um exílio interminável em sua própria terra, que há de devolver aos braços da mãe gentil os filhos deste solo, que há de calar, não com a força virulenta das baionetas mas
com a veemência da Justiça, os clamores deste povo.

Em meio à violência que campeia e se transveste em sorrateiros atos de ilegalidade,
seremos os arautos da justiça, a proclamar de coração aberto e aplenos pulmões
a força do Direito que sobrepuja o direito da força.

Seremos os heróis desta Revolução pois guardamos em nós a lei primeira,
da Justiça que não cala ante a devassidão de governos,
que não consente com o Estado gerador de miséria e desilusão
tampouco com homens amantes de si mesmos, que engordam
com a glutonaria de sua ganância perniciosa.

Temos sim um comprometimento entranhável com os estandartes
da liberdade, daigualdade e da fraternidade, que hão de nortear a Lei,
enquanto luz para os povos.

Levantemo-nos então e ergamos o castelo de nossas vidas.
Um marco na história e uma morada para as gerações futuras.

Marcos Paulo Sabiá

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