domingo, 17 de maio de 2009

Narcocristianismo

Diz-se dos narcóticos: “substância que produz hipnose, certo grau de relaxamento muscular e narcose, que vem a ser a depressão reversível e inespecífica do sistema nervoso central produzido por drogas”.

Qual a relação das drogas com o Cristianismo, ou melhor, com o tipo de Cristianismo mais comum e rasteiro que ouvimos em nossos dias?

Pense em algo que se busque para o consolo das dores da alma, afago das tristes sensações de fracasso, que afaste, mesmo que só por alguns instantes, da realidade dura e cruel e leve, através do entorpecimento, a um mundo de delícias, quimeras de uma outra realidade. Se pensar em drogas, você está certo. Se pensar neste tipo de evangelho que se prega hoje em dia em muitos lugares, infelizmente, você também está certo!

Não por acaso, o pensador chega ao ponto de chamar a religião de “ópio do povo” e, ao vislumbrar algumas de nossas reuniões neo-pentecostais, recheadas de manifestações místicas, pseudo-sobrenaturais e extra-sensoriais, eventos de “poder”, congressos de “fogo”, reuniões que oferecem todo tipo de sortilégio religioso e prometem abalar o país, percebo uma multidão de almas que está à busca de nada mais do que uma experiência, uma sensação, efeito muito apropriado a um narcótico, muito diferente de um relacionamento com Deus, genuíno Cristianismo. Disso, pseudo-evangelho, parca e pobre expressão neo-pentecostal, aproveito-me para designar de “narcocristianismo” ou “narcoevangelho”, ou seja, religião com a promíscua finalidade de oferecer uma experiência, necessariamente efêmera, que possa retirar o homem de sua realidade e transportá-lo por alguns instantes para outra realidade através de um torpor, próprio de um estado de transe, hipnose ou coisa que o valha.

É próprio deste “narcocristianismo” experiências rasas, superficiais, mas que se propõe inesquecíveis, marcantes, mas que cedem ao primeiro choque de realidade, que faz com momentos depois do ápice de sua “utilização” precisem ser renovadas, dia após dia, pois trazem nada mais que um gozo fugaz. Seu resultado é um gosto residual amargo, que torna seu “usuário” dependente de novas experiências, cada vez mais fortes, inesquecíveis. O dente de ouro já não fascina? Rolaremos no chão! Já ouviu alguém rugir como leão no altar? Se alguém não fez isso na sua igreja ainda, você está por fora e é um tremendo careta...

Sob a perspectiva do verdadeiro Cristianismo, que privilegia o relacionamento e não a experiência, antes o “eu Te conhecia de ouvir falar mas agora meus olhos Te vêem...”, nada mais cruel do que formarmos um exército de crentes nas filas dos “templos drive-thru”, alimentando-se não do pão da vida mas com sofreguidão de um odioso e repugnante fast-food espiritual que incha mas não sacia a fome espiritual de um povo evangélico sem Deus, por mais paradoxal que isso possa parecer.

Este é o retrato das Igrejas S/A, que com foco em seu cliente e em busca de market-share, se utilizam de ousadas estratégias de marketing que fidelizam o cliente mas não o convertem, que arrebatam sua alma mas não salvam seu espírito, que massageam seu ego mas não lhe opõe a santidade de Deus.

Este é um evangelho sem dores, um evangelho sem cruz, aquinhoado em palácios e longe de estrebarias, sem poder, sem graça (em todos os sentidos), pintando um possível mundo sem aflições, que depois da overdose o que resta é um ser sem a alegria da salvação, sem a paz que excede todo entendimento e que percebe que para suprir este vazio terá de sair em busca de uma nova dose de “narcocristianismo” à venda na esquina mais próxima.

Este não é o grito de um reacionário tradicional mas de um apaixonado pentecostal. No poder do Espírito trago esta palavra para que ela seja a voz de Deus, ouvida em meio ao ensurdecedor barulho da “rave” da qual participam tantos e tantos, reunião após reunião, crendo ou sendo levados a crer, que ela não passa de mais uma reunião de poder.

Que Deus tenha misericórdia de nós, fiéis que engrossam as fileiras de igrejas que mais se assemelham a casas de recuperação espiritual, lugares em que pregamos para quem já se batizou, nos quais trazemos a palavra para quem já tem algumas Bíblias de estudo. Lugares aonde nos reunimos para ser família e não corporação.


Marcos Paulo Sabiá

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